COMO FUNCIONA O SERVIÇO SECRETO BRASILEIRO
Raio X da atuação da
Abin feito por ISTOÉ revela que o serviço de inteligência vive seu ápice desde
a redemocratização. Hoje a agência monitora simultaneamente cerca de 700 alvos
diferentes. De movimentos grevistas até a organização de grandes eventos
Em meados de julho, no
auge da greve dos servidores públicos federais, a presidenta Dilma Rousseff
recebeu das mãos do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional,
general Elito Siqueira, uma pasta de papel pardo com tarja vermelha onde se lia
“urgente”. Dentro dela, um relatório sintético elaborado por espiões
infiltrados nos movimentos grevistas traçava uma análise da situação no País e
antecipava a tendência de enfraquecimento da greve. Depois da leitura do
informe, Dilma pegou o telefone e avisou aos ministros Guido Mantega (Fazenda)
e Miriam Belchior (Planejamento) que o governo não cederia aos protestos. O
episódio, mantido em sigilo até agora, dá pistas de como funciona hoje o
serviço secreto brasileiro. O relatório que fundamentou a decisão de Dilma foi
elaborado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A informação que
chegou à presidenta foi precisa porque havia agentes da Abin infiltrados no
movimento grevista. Entre as classes que espalharam o caos naqueles meses,
curiosamente estavam entidades sindicais da própria agência de inteligência,
cujos agentes se aproveitaram da circunstância para participar de assembleias e
reuniões sem levantar suspeitas.
Infiltrações como essas
se tornaram cada vez mais frequentes nos últimos anos. As greves e os
movimentos sociais entraram definitivamente no rol de ameaças à segurança
nacional. Um raio X da atuação da Abin, feito por ISTOÉ, revela que, após
seguidas crises, o serviço de inteligência vive seu auge desde a
redemocratização. Em apenas quatro anos, o orçamento da agência mais que
dobrou, saltando de R$ 220 milhões em 2008 para R$ 527 milhões em 2012, com
efeito direto no número de ações País afora. Hoje a agência monitora
simultaneamente cerca de 700 cenários diferentes, do garimpo na fronteira a
invasões de terra, transportes e organização de grandes eventos.
Desde o ano passado, a
Abin acompanha as obras da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016. Em agosto, um
relatório de acompanhamento foi enviado pelo GSI ao ministro da Justiça, José
Eduardo Cardozo. O documento alertava para problemas de acessibilidade em
centros esportivos e o risco de incidentes com a aglomeração de pessoas. Em
outra ação preventiva, a Abin reportou ao GSI a crescente tensão entre
trabalhadores e empreiteiros nos canteiros de obras da hidrelétrica de Belo
Monte (PA). O informe foi produzido por um agente externo, um general reformado
que atua como consultor e recebe cerca de R$ 20 mil mensais – colaboradores
estrangeiros ganham essa quantia em dólares. O informante constatou que “as
condições precárias de alojamento e trabalho” poderiam deflagrar um conflito
com impacto no andamento da construção e repercussão negativa na mídia. O
Palácio do Planalto demorou para agir e os operários atearam fogo nas
instalações.
Em outro episódio
recente, mas no âmbito internacional, a Abin antecipou à Presidência o risco de
que o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, perdesse o cargo. Um relatório
especial de inteligência, elaborado por um agente encoberto em Assunção,
apontava que o processo de impeachment contra Lugo seria aberto, porque ele já
não tinha apoio no Congresso. Na semana anterior, o tema havia sido alvo de
outro tipo de informe, mais sintético, apelidado no GSI de “mosaico”. Trata-se
de uma página com tópicos e uma escala de cores para cada tema, indicando o
nível de gravidade, do amarelo ao vermelho. É com esse papel em mãos que o
general Elito despacha diariamente com Dilma, que o recebe na garagem do
Planalto por volta das 8h30, e os dois sobem juntos pelo elevador. Ela faz uma
leitura dinâmica e raramente comenta algo.
Apesar do bom momento da
Abin, nem tudo funciona como deveria. O órgão ainda gasta quase 90% de seu
orçamento com pessoal, investe pouco em tecnologia, gasta tempo em burocracia,
perseguições internas e ainda protagoniza trapalhadas. A mais recente foi a
prisão do técnico de informática Willlian T.N., acusado de capturar senhas de
acesso de 238 funcionários. Preso pela Polícia Federal o jovem foi readmitido
uma semana depois e passa o dia sob vigilância numa sala sem computador.
Descobriu-se que ele estava a serviço de um dos diretores da própria Abin.
Fonte: Reportagem publicada
pela Revista Isto É, Edição 21/11/2012, de autoria do jornalista Claudio Dantas
Sequeira (PP. 48-50)
Site: www.istoe.com.br
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