terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Carta Aberta dos Servidores da Funai


CARTA ABERTA DOS SERVIDORES DA FUNAI

Hoje faz sete meses que iniciamos nossa greve dos servidores da FUNAI em Roraima e, creio, ser um bom momento para olharmos para trás e fazermos um balanço mais crítico do movimento, seus ganhos e suas dificuldades.
Lembro que nossa pauta era extensa, do tamanho dos problemas da FUNAI e da luta dos povos indígenas. Incluía desde a aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas; o aumento do orçamento para atendimento das demandas indígenas; passando pela criação do plano de carreira indigenista; a regulamentação do poder de polícia da FUNAI; até a completa e efetiva reestruturação do órgão indigenista oficial, com a construção e equipagem das Coordenações Técnicas Locais, criadas pelo Decreto 7.056 de 2009, para um atendimento digno e eficaz nas pontas, onde efetivamente estão os povos indígenas. Ao todo, vinte e um itens de reivindicação.
Desses, somente aquele relacionado a reajuste dos benefícios, ainda que parcialmente, foi atendido, com aumento do auxílio alimentação e da contrapartida do governo no plano de saúde. Nossos salários-base não tiveram qualquer valorização e não há nenhuma perspectiva de se instaurar uma política salarial permanente, como queríamos. Somente as gratificações tiveram incremento (média de 15%), o qual, parcelado em três anos, será, no máximo, suficiente para repor as perdas pela inflação no período.
Os demais itens foram retirados, pelo Governo, das mesas de negociação, sob a promessa de que seriam discutidos com os trabalhadores, em instâncias apropriadas e com o tempo necessário. No próximo dia 19, ocorrerá a primeira reunião para esse fim, em Brasília, na sede da CONDSEF (Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal), na chamada Plenária Setorial da FUNAI. Talvez esse tenha sido o principal ganho do nosso movimento: a inclusão das demandas dos trabalhadores da FUNAI na pauta de discussões sindicais com o Governo Federal. O que não é pouco.
Some-se a isso, enquanto resultado positivo, o crescimento da consciência dos trabalhadores sobre os problemas enfrentados no dia-a-dia de suas funções e acerca da necessidade de lutar, de forma organizada, para superar esses mesmos problemas. Percebeu-se isso, especialmente, entre os servidores mais novos, aqueles que ingressaram pelo último concurso da FUNAI, realizado em 2010.
Aliás, a ausência no movimento e, até, a indiferença de muitos servidores antigos, quando não chegavam a nos hostilizar, pode ser apontada como uma das dificuldades que nosso movimento enfrentou para avançar na pauta de reivindicações. Aliada ainda à nossa inexperiência em lutas deste tipo, quando acreditamos que poderíamos iniciar a greve sem ter antes articulado com o movimento indígena o seu apoio, imprescindível para fazer a devida pressão sobre o Governo. Tentamos fazer essa articulação no decorrer dos acontecimentos, com a greve já deflagrada, e não tivemos o acolhimento que precisávamos por parte dos indígenas, que, em alguns casos, sequer nos receberam em suas organizações.
A principal causa, porém, para o nosso fracasso parcial ou a nossa vitória incompleta deve ser atribuída à forma como o Governo lidou com o movimento grevista, respaldado pela grande mídia. Desde a falta de diálogo efetivo com as representações sindicais e trabalhistas, que apresentaram propostas ao Governo com seis meses de antecedência à greve, às atitudes truculentas de tentar substituir servidores concursados por terceirizados contratados às pressas, com base em Decreto espúrio publicado em meio à greve, e de cortar integralmente os salários dos grevistas, como nunca tinha acontecido antes. Ainda sim, o movimento resistiu por quase dois meses, ao fim dos quais, e após acordo firmado com o Governo, retornou ao trabalho.
Ficaram importantes lições a serem lembradas em movimentos futuros, como a necessidade de planejamento que inclua a participação tanto dos servidores antigos quanto dos novos, bem como dos povos indígenas. Acima de tudo, ficou a esperança de que podemos fazer alguma coisa para melhorar nossas condições de trabalho e realmente prestar serviços de qualidade aos indígenas de Roraima, ainda que não sejamos compreendidos por algumas lideranças indígenas e indigenistas, pois é a nossa consciência o que nos move.
Portanto, a luta continua!
Boa Vista-RR, 04 de fevereiro de 2013.

Thiago B. Lied
Indigenista Especializado da FUNAI
Mestre em Direito Econômico e Socioambiental

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