CARTA ABERTA DOS SERVIDORES DA FUNAI
Hoje faz sete meses que iniciamos
nossa greve dos servidores da FUNAI em Roraima e, creio, ser um bom momento
para olharmos para trás e fazermos um balanço mais crítico do movimento, seus
ganhos e suas dificuldades.
Lembro que nossa pauta era
extensa, do tamanho dos problemas da FUNAI e da luta dos povos indígenas.
Incluía desde a aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas; o aumento do
orçamento para atendimento das demandas indígenas; passando pela criação do
plano de carreira indigenista; a regulamentação do poder de polícia da FUNAI;
até a completa e efetiva reestruturação do órgão indigenista oficial, com a
construção e equipagem das Coordenações Técnicas Locais, criadas pelo Decreto
7.056 de 2009, para um atendimento digno e eficaz nas pontas, onde efetivamente
estão os povos indígenas. Ao todo, vinte e um itens de reivindicação.
Desses, somente aquele
relacionado a reajuste dos benefícios, ainda que parcialmente, foi atendido,
com aumento do auxílio alimentação e da contrapartida do governo no plano de
saúde. Nossos salários-base não tiveram qualquer valorização e não há nenhuma
perspectiva de se instaurar uma política salarial permanente, como queríamos.
Somente as gratificações tiveram incremento (média de 15%), o qual, parcelado em
três anos, será, no máximo, suficiente para repor as perdas pela inflação no
período.
Os demais itens foram retirados,
pelo Governo, das mesas de negociação, sob a promessa de que seriam discutidos
com os trabalhadores, em instâncias apropriadas e com o tempo necessário. No
próximo dia 19, ocorrerá a primeira reunião para esse fim, em Brasília, na sede
da CONDSEF (Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal), na
chamada Plenária Setorial da FUNAI. Talvez esse tenha sido o principal ganho do
nosso movimento: a inclusão das demandas dos trabalhadores da FUNAI na pauta de
discussões sindicais com o Governo Federal. O que não é pouco.
Some-se a isso, enquanto
resultado positivo, o crescimento da consciência dos trabalhadores sobre os
problemas enfrentados no dia-a-dia de suas funções e acerca da necessidade de
lutar, de forma organizada, para superar esses mesmos problemas. Percebeu-se
isso, especialmente, entre os servidores mais novos, aqueles que ingressaram
pelo último concurso da FUNAI, realizado em 2010.
Aliás, a ausência no movimento e,
até, a indiferença de muitos servidores antigos, quando não chegavam a nos
hostilizar, pode ser apontada como uma das dificuldades que nosso movimento
enfrentou para avançar na pauta de reivindicações. Aliada ainda à nossa
inexperiência em lutas deste tipo, quando acreditamos que poderíamos iniciar a
greve sem ter antes articulado com o movimento indígena o seu apoio,
imprescindível para fazer a devida pressão sobre o Governo. Tentamos fazer essa
articulação no decorrer dos acontecimentos, com a greve já deflagrada, e não
tivemos o acolhimento que precisávamos por parte dos indígenas, que, em alguns
casos, sequer nos receberam em suas organizações.
A principal causa, porém, para o
nosso fracasso parcial ou a nossa vitória incompleta deve ser atribuída à forma
como o Governo lidou com o movimento grevista, respaldado pela grande mídia. Desde
a falta de diálogo efetivo com as representações sindicais e trabalhistas, que
apresentaram propostas ao Governo com seis meses de antecedência à greve, às
atitudes truculentas de tentar substituir servidores concursados por
terceirizados contratados às pressas, com base em Decreto espúrio publicado em
meio à greve, e de cortar integralmente os salários dos grevistas, como nunca
tinha acontecido antes. Ainda sim, o movimento resistiu por quase dois meses,
ao fim dos quais, e após acordo firmado com o Governo, retornou ao trabalho.
Ficaram importantes lições a serem
lembradas em movimentos futuros, como a necessidade de planejamento que inclua
a participação tanto dos servidores antigos quanto dos novos, bem como dos
povos indígenas. Acima de tudo, ficou a esperança de que podemos fazer alguma
coisa para melhorar nossas condições de trabalho e realmente prestar serviços
de qualidade aos indígenas de Roraima, ainda que não sejamos compreendidos por
algumas lideranças indígenas e indigenistas, pois é a nossa consciência o que
nos move.
Portanto, a luta continua!
Boa Vista-RR, 04 de fevereiro de
2013.
Thiago B. Lied
Indigenista Especializado da
FUNAI
Mestre em Direito Econômico e
Socioambiental