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Professor da UFPI, Janailton Coutinho |
Por
que não verei o jogo do Brasil na Copa?
* Janailton Coutinho
Estava conversando com
um dos meus alunos sobre desigualdade social no Brasil e ele me convidou para
participar de uma manifestação em frente ao Hospital Regional da cidade onde
moro a fim de lutar por melhorias na saúde pública. Comecei a perscrutar sobre
as condições da saúde neste município por meio da conversa que estava tendo.
Ele me falou do tal de kit cesariana. Fiquei mais curioso e surgiu um pingo de
felicidade por estimar que fosse um conjunto de produtos alimentícios, higiene,
roupa ou perfumaria que a mãe receberia ao sair do hospital e retornar à sua
casa para curtir, amamentar e amar incondicionalmente o seu filho.
Para minha surpresa,
fui informado que este “kit” referia-se ao conjunto de materiais necessários
para realizar o procedimento cirúrgico. Ora, em um país que gasta milhões em
apenas um estádio, não temos equipamentos e produtos hospitalares básicos para
auxiliar uma mãe a pôr seu filho neste mundo. No estádio que sediará a abertura
da Copa, em São Paulo, foram previstos 426 milhões de reais e no final
chegou-se ao investimento de 695 milhões. No total, teremos 35 bilhões
investidos neste evento. Pergunta-se: que tipo de brasileiro irá participar dos
jogos? Quem terá acesso aos estádios? Quanto custa a entrada? Quais as
similaridades entre um hospital público e um estádio? Qual é mais luxuoso? Qual
tem mais estrutura? Para quem foram feitos ou recuperados os estádios
brasileiros?
Poderíamos pensar que
este cenário de abandono refere-se apenas àsaúde brasileira, mas olhemos então
para as nossas escolas e para a educação neste país. Até hoje não conseguimos
erradicar o analfabetismo e usa-se a desculpa de que esta situação poderia ser
resolvida com a dinâmica demográfica, ou seja, vamos esperar que os atuais
analfabetos morram para acabar com o problema. Há alguma similaridade com a
saúde pública? Sim. Vamos esperar que as filas dos hospitais e dos postos de
saúde acabem pela exaustão e morte dos pacientes. São vencidos pela dominação
da doença que chega mais rápido que os cuidados médicos. É vigente ainda a
realidade das nossas escolas: professores mal remunerados; escolas sem energia
elétrica; professores fora de suas áreas de formação; professores em formação;
falta de merenda escolar; ausência de bibliotecas e infinitos outros problemas
que marcam a nossa realidade histórico-social.
Mas, estamos em festa:
vamos receber o mundo inteiro para mostrar o que temos de melhor no Brasil.
Poderíamos nos orgulhar de sermos o país dos leitores e lermos mais de 100
livros por ano, mas lemos apenas em média 4, e, desses, 2 são de autoajuda. Se
perguntarmos quem foi Mario Vargas Llosa, Gabriel García Márquez, Jorge Amado,
Érico Veríssimo, Pablo Neruda, Adélia Prado, Cora Coralina poderão confundir e
indagar se estes nomes fazem parte da nova escalação da seleção ou foram
incluídos em uma nova lista de jogadores de futebol mostrada recentemente no
Jornal Nacional.
Ao analisar os países
que mais possuem analfabetos no mundo, o Brasil encontra-se em um dos piores
lugares. Aqui temos 13,6% de analfabetos sem mencionar os analfabetos
funcionais que é outra marca dos tempos modernos. Cria-se a categoria dos
“incluídos-excluídos”, ou seja, estão na escola, mas saem dela sem as
habilidades necessárias para terem cidadania plena. Quando se fala do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro, novamente encontramo-nos entre os
piores do mundo. Isso para não falar nas diferenças regionais existentes dentro
no Brasil.
Enfim, que motivos
temos para sentar em frente à televisão e comemorar um jogo de futebol enquanto
milhares de pessoas morrem nas portas dos hospitais e não têm educação de
qualidade. O que fazer então? Poderíamos criar grupos de discussão, rodas de
conversa, criar um novo partido político, um novo movimento, uma rebelião, uma
revolução. Mas, acho que isso está fora de moda. Não mais envolve as pessoas.
Bem, se não pudermos fazer isso, então, poderemos ao invés de sentar em frente
a televisão e passar duas horas vendo um grupo de milionários correndo atrás da
bola, você pode ler um livro, ajudar
alguém, organizar à casa, visitar um grupo de pacientes em um hospital,
conversar com um idoso, fazer uma deliciosa comida e servir para alguém que
você ame ou deseja conhecer, ligar para alguém que há muito tempo não revia, ou
seja, há uma infinidade de atividades que podemos fazer e melhorar o mundo.
Para finalizar, vou
falar das pimentas. Como assim das pimentas? O que tem haver com esta
discussão? O autor destas linhas pirou de vez. Não, não. Encontrei outro
maluquinho para me ajudar. Chama-se Rubem Alves que escreveu um livro chamado
“Pimentas – para provocar um incêndio não é preciso fogo”. Na crônica de
abertura do livro diz; “pimentas são frutinhas coloridas que têm poder para
provocar incêndios na boca. Pois há ideias que se assemelham às pimentas: elas
podem provocar incêndios no pensamento. Nietzsche era um especialista em ideias
incendiárias. Um eremita que vivia na floresta, ao ver Zaratustra descer das
montanhas para as planícies, percebeu que ele estava a fim de pôr fogo no mundo
com as suas ideias. Zarastutra sabia que suas ideias queimavam e que muitas
pessoas, ao lê-lo, “pensariam que estavam devorando fogo e queimariam suas
bocas”. Mas, para se provocar um incêndio, não é preciso fogo. Basta uma única
brasa. Um único pensamento-pimenta...”
Assim, encerro
definitivamente esta conversa apimentada perguntando: quais as novas pimentas,
brasas, pensamentos e práticas que deveremos experimentar?
*Janailton
Coutinho é professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI – CPCE)