terça-feira, 3 de junho de 2014

Professor da UFPI, Janailton Coutinho

Por que não verei o jogo do Brasil na Copa?

* Janailton Coutinho

Estava conversando com um dos meus alunos sobre desigualdade social no Brasil e ele me convidou para participar de uma manifestação em frente ao Hospital Regional da cidade onde moro a fim de lutar por melhorias na saúde pública. Comecei a perscrutar sobre as condições da saúde neste município por meio da conversa que estava tendo. Ele me falou do tal de kit cesariana. Fiquei mais curioso e surgiu um pingo de felicidade por estimar que fosse um conjunto de produtos alimentícios, higiene, roupa ou perfumaria que a mãe receberia ao sair do hospital e retornar à sua casa para curtir, amamentar e amar incondicionalmente o seu filho.
Para minha surpresa, fui informado que este “kit” referia-se ao conjunto de materiais necessários para realizar o procedimento cirúrgico. Ora, em um país que gasta milhões em apenas um estádio, não temos equipamentos e produtos hospitalares básicos para auxiliar uma mãe a pôr seu filho neste mundo. No estádio que sediará a abertura da Copa, em São Paulo, foram previstos 426 milhões de reais e no final chegou-se ao investimento de 695 milhões. No total, teremos 35 bilhões investidos neste evento. Pergunta-se: que tipo de brasileiro irá participar dos jogos? Quem terá acesso aos estádios? Quanto custa a entrada? Quais as similaridades entre um hospital público e um estádio? Qual é mais luxuoso? Qual tem mais estrutura? Para quem foram feitos ou recuperados os estádios brasileiros?

Poderíamos pensar que este cenário de abandono refere-se apenas àsaúde brasileira, mas olhemos então para as nossas escolas e para a educação neste país. Até hoje não conseguimos erradicar o analfabetismo e usa-se a desculpa de que esta situação poderia ser resolvida com a dinâmica demográfica, ou seja, vamos esperar que os atuais analfabetos morram para acabar com o problema. Há alguma similaridade com a saúde pública? Sim. Vamos esperar que as filas dos hospitais e dos postos de saúde acabem pela exaustão e morte dos pacientes. São vencidos pela dominação da doença que chega mais rápido que os cuidados médicos. É vigente ainda a realidade das nossas escolas: professores mal remunerados; escolas sem energia elétrica; professores fora de suas áreas de formação; professores em formação; falta de merenda escolar; ausência de bibliotecas e infinitos outros problemas que marcam a nossa realidade histórico-social.
Mas, estamos em festa: vamos receber o mundo inteiro para mostrar o que temos de melhor no Brasil. Poderíamos nos orgulhar de sermos o país dos leitores e lermos mais de 100 livros por ano, mas lemos apenas em média 4, e, desses, 2 são de autoajuda. Se perguntarmos quem foi Mario Vargas Llosa, Gabriel García Márquez, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Pablo Neruda, Adélia Prado, Cora Coralina poderão confundir e indagar se estes nomes fazem parte da nova escalação da seleção ou foram incluídos em uma nova lista de jogadores de futebol mostrada recentemente no Jornal Nacional.
Ao analisar os países que mais possuem analfabetos no mundo, o Brasil encontra-se em um dos piores lugares. Aqui temos 13,6% de analfabetos sem mencionar os analfabetos funcionais que é outra marca dos tempos modernos. Cria-se a categoria dos “incluídos-excluídos”, ou seja, estão na escola, mas saem dela sem as habilidades necessárias para terem cidadania plena. Quando se fala do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro, novamente encontramo-nos entre os piores do mundo. Isso para não falar nas diferenças regionais existentes dentro no Brasil.

Enfim, que motivos temos para sentar em frente à televisão e comemorar um jogo de futebol enquanto milhares de pessoas morrem nas portas dos hospitais e não têm educação de qualidade. O que fazer então? Poderíamos criar grupos de discussão, rodas de conversa, criar um novo partido político, um novo movimento, uma rebelião, uma revolução. Mas, acho que isso está fora de moda. Não mais envolve as pessoas. Bem, se não pudermos fazer isso, então, poderemos ao invés de sentar em frente a televisão e passar duas horas vendo um grupo de milionários correndo atrás da bola, você pode ler um livro, ajudar  alguém, organizar à casa, visitar um grupo de pacientes em um hospital, conversar com um idoso, fazer uma deliciosa comida e servir para alguém que você ame ou deseja conhecer, ligar para alguém que há muito tempo não revia, ou seja, há uma infinidade de atividades que podemos fazer e melhorar o mundo.
Para finalizar, vou falar das pimentas. Como assim das pimentas? O que tem haver com esta discussão? O autor destas linhas pirou de vez. Não, não. Encontrei outro maluquinho para me ajudar. Chama-se Rubem Alves que escreveu um livro chamado “Pimentas – para provocar um incêndio não é preciso fogo”. Na crônica de abertura do livro diz; “pimentas são frutinhas coloridas que têm poder para provocar incêndios na boca. Pois há ideias que se assemelham às pimentas: elas podem provocar incêndios no pensamento. Nietzsche era um especialista em ideias incendiárias. Um eremita que vivia na floresta, ao ver Zaratustra descer das montanhas para as planícies, percebeu que ele estava a fim de pôr fogo no mundo com as suas ideias. Zarastutra sabia que suas ideias queimavam e que muitas pessoas, ao lê-lo, “pensariam que estavam devorando fogo e queimariam suas bocas”. Mas, para se provocar um incêndio, não é preciso fogo. Basta uma única brasa. Um único pensamento-pimenta...”
Assim, encerro definitivamente esta conversa apimentada perguntando: quais as novas pimentas, brasas, pensamentos e práticas que deveremos experimentar?

 *Janailton Coutinho é professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI – CPCE)

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